quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Cenas 16 a 19

CENA 16

Astrobaldo entra na gráfica, seguindo para o setor onde trabalha. Quando passa pela secretária do coordenador geral esta o chama. E pára gentilmente para escuta-la.

SECRETÁRIA DE EDICLÉCIO

Baldo, o senhor Ediclécio quer falar com você antes de sair. E o homem está brabo!

Astrobaldo segue imediatamente para a sala de Ediclécio.

Astrobaldo entra na sala de Ediclécio. Este está sentado em uma cadeira alta (de forma que nem mesmo sua cabeça aparece), virado para a parede. Astrobaldo permanece de pé.

EDICLÉCIO

Astrogildo...

ASTROBALDO

Astrobaldo, senhor...

Ediclécio gira a cadeira e encara Astrobaldo.

EDICLÉCIO

(Tom de superioridade, humilhando o interlocutor totalmente)

N-ã-o m-e i-n-t-e-r-e-s-s-a! (...) Astro-GILDO, Astrobal-DE, Atro-BURRO ou seja lá o que for, é tudo a mesma INCOMPETÊNCIA! você sabe quem me ligou hoje de manhã pela enésima vez? O Lourenço, lá do Centenário. Alguma vez você já teve de lidar com um cliente furioso?

ASTROBALDO

Não, senhor!

EDICLÉCIO

(Batendo na mesa com muita força e gritando com raiva)

Você acha que ele fica feliz em ouvir nossas desculpas? Já pensou, se ele perde a paciência e resolve cancelar a assinatura do jornal? você sabe o que significa perder um cliente, Astro-grilo!?

ASTROBALDO

Astrobaldo, senhor...

EDICLÉCIO

(interrompe Astrobaldo sem prestar atenção no que disse)

você já viu uma empresa sobreviver sem clientes? você por acaso sabe o que é ter que atender um cliente furioso porque(fala soletrando e enfatizando cada sílaba e aumentando o tom de voz continuamente) a por-ra de um fun-cio-ná-rio não sa-be en-fi-ar a por-ra de um jor-nal na por-ra de uma ca-i-xa de cor-re-i-os!? Esse trabalho é difício para você, Astro-galo?

ASTROBALDO

Astrobaldo, senhor...

EDICLÉCIO

Por acaso eu perguntei o seu nome?

ASTROBALDO

Não, senhor...

EDICLÉCIO

Então responda a pergunta que fiz!

ASTROBALDO

Não, senhor!

EDICLÉCIO

Não o que!?

ASTROBALDO

Não é difícil, senhor... pelo contrário, sei que posso fazer muito bem, e...

EDICLÉCIO

(berrando o máximo que pode)

Então porque você jogou o jornal do seu Lourenço no meio da rua?

ASTROBALDO

Eu vi o portão se abrindo, e...

EDICLÉCIO

E isso é lá motivo para correr? Porque não entregou o jornal na mão dele?

ASTROBALDO

É que eu pensei que fosse o Alemão...

EDICLÉCIO

E quem é esse Alemão?

ASTROBALDO

É o filho dele... Aquilo não é gente não, seu Ediclécio! Se me pegar de geito é perigoso até me matar...

EDICLÉCIO

Nossa empresa não tem nada a ver com seus desentendimentos pessoais. Hoje você volta lá, com Alemão ou sem Alemão, e se não entregar o jornal quem vai acabar te matando sou eu!

ASTROBALDO

Tem como mandar o Josenildo entregar não, seu Ediclécio?

EDICLÉCIO

Está ficando louco? Acha que eu vou tirar o Josenildo aqui do Centro para ir lá no Centenário entregar um único jornal? Olhe, suma da minha frente, faça o favor de cumprir com sua obrigação e outra: se eu ouvir um tantinho assim (faz gesto com a ponta dos dedos indicador e polegar) de você eu te boto no meio da rua sem sequer avaliar o motivo. Agora saia!

Astrobaldo sai da sala.

CENA 17

Astrobaldo dirige-se à secretária.

ASTROBALDO

Ei, Aninha, você sabe me dizer se o pagamento sai hoje?

SECRETÁRIA DE EDICLÉCIO

Meu lindo, tu leva uma "comida de rabo" destas e ainda sai pensando em dinheiro?

ASTROBALDO

É que eu tô precisando muito, Aninha, é caso de vida ou morte... juro!

SECRETÁRIA DE EDICLÉCIO

Vai sair no final da tarde, se você não acabar de novo com o bom humor daquele filho de Cristo ali dentro!

ASTROBALDO

Filho de Cristo? aquilo é o assistente pessoal do Diabo, isso sim! Ei, me arruma R$50,00 até o fim da tarde?

SECRETÁRIA DE EDICLÉCIO

Se você ver alguém aqui dentro com uma nota de R$50,00 me avise que agente assalta ele com minha lixa de unha.

ASTROBALDO

Eu tô falando sério, Aninha, por favor. É só você quem pode me ajudar! Só até o fim da tarde, vai... Eu pago R$55,00...

SECRETÁRIA DE EDICLÉCIO

Olha, eu vou quebrar o seu galho, mas só porque você me ajudou a pintar o portão de casa naquele dia.

A secretária de Ediclécio retira uma nota de R$50,00 da carteira e entrega a Astrobaldo. Ele recebe a nota com entusiasmo e dá um beijo na bochecha da secretária.

ASTROBALDO

Aninha, você me salvou! você é um anjo!

SECRETÁRIA DE EDICLÉCIO

Anjo nada, querido. Pague meu dinheiro no final da tarde, com juros, ou então você vai ver no que eu vou me transformar...

Astrobaldo se afasta da secretária e sai do recinto.

CENA 18

câmera segue Astrobaldo.

Astrobaldo pedala pelo centro da cidade, apressado. Os jornais que ele deveria estar entregando estão todos no bagageiro. Para na frente da loja de instrumentos musicais, ansioso larga de qualquer geito a bicicleta na calçada, deitada no chão, e entra correndo na loja.

Enquanto Astrobaldo entra na loja, um ladrão (visível no segundo plano) levanta a bicicleta e sai pedalando a toda velocidade.

Vendedor da loja de instrumentos

(Grita, enquanto sai do balcão na direção da porta)

Ei,estão roubando sua bicicleta!!!!

Astrobaldo toma um susto, vira-se imediatamente e corre em direção à porta da loja.

Astrobaldo sai da loja correndo desesperado, e segue na direção do ladrão. O vendedor sai e fica na porta, acompanhando de longe. Astrobaldo persegue o ladrão até determinado ponto, gritando:

ASTROBALDO

(a todo pulmão)

Pega ladrão! pega ladrão!

Enfim descobre que é inútil e pára, colocando a mão na cabeça em situação de visível desespero: Ele não sabe mais o que fazer.

CENA 19

Ediclécio está sério, encarando Astrobaldo e procurando a melhor maneira de colocar as palavras. Há um silêncio forte na sala. Astrobaldo está em pé, na frente da mesa de Ediclécio.

EDICLÉCIO

(o tom de voz é rigoroso, severo, mas não há excesso. Em momento algum do diálogo Ediclécio grita com Astrobaldo)

Onde isso aconteceu?

ASTROBALDO

(sem geito, acanhado e temeroso)

No centro da cidade.

EDICLÉCIO

O que você estava fazendo lá no centro da cidade, Astrobaldo? sua área não era o Bairro Centenário?

ASTROBALDO

Precisava fazer umas coisas...

EDICLÉCIO

O que?

ASTROBALDO

...tinha que comprar uma guitarra...

EDICLÉCIO

(silêncio)

ASTROBALDO

(Silêncio)

EDICLÉCIO

Porque não deixou para comprar esta guitarra depois de terminar seu trabalho?

ASTROBALDO

(gaguejando, muito inseguro mas tentando colocar o máximo de persuação no tom de voz)

.........................é que.......................alguém podia passar antes..............e................

EDICLÉCIO

sei...

Astrobaldo

eu só tinha dinheiro para comprar aquela guitarra, sabe............era a mais barata...........

EDICLÉCIO

Hum, sei...

Astrobaldo

sei que não era lá grande coisa...........................mas........eu estou precisando muito............

EDICLÉCIO

sei...

Astrobaldo

eu realmente preciso de um instrumento para aprender a tocar.....é meu sonho!

EDICLÉCIO

É o seu sonho... (silêncio) ... mas pelo menos você entregou os jornais...

ASTROBALDO

(silêncio)

EDICLÉCIO

(encarando Astrobaldo, entendendo e sem querer acreditar...silêncio...)

ASTROBALDO

(silêncio)

EDICLÉCIO

(Tentando se controlar, buscando uma falça gentileza e usando uma hipocrisia fora de limites)

Você não quer se sentar?

Astrobaldo, meio hesitante, puxa a cadeira e senta na mesa com ediclécio.

ediclécio

Vou pedir para Ana trazer um café, você quer também? espere um momento.

Pega o telefone e disca para a secretária.

EDICLÉCIO

Ana, traga-me um café, por favor. E outro para Astrobaldo também.

Ediclécio aguarda o café, calado e pensativo, vez em quando olhando para Astrobaldo. Em poucos segundos a secretária entra na sala, com uma bandeja na mão contendo uma garrafa de café, duas xícaras cada uma com um pires, duas colheres de chá e um pequeno açucareiro.

Ela coloca as xícaras na mesa, serve a ambos. Ediclécio pega a sua e prova imediatamente, Astrobaldo fica apenas olhando.

SECRETÁRIA DE EDICLÉCIO

Está bom de açúcar, seu Ediclécio?

EDICLÉCIO

(curto e grosso)

Está bom, pode ir.

A secretária passa um "rabo de olho" em Astrobaldo e deixa a sala, carregando a bandeja com a garrafa e o açucareiro. Astrobaldo timidamente pega a sua xícara e prova o café.

EDICLÉCIO

(perdendo a paciência mas sem engrossar)

Astrobaldo, você sabe quanto isso tudo vai custar a nossa empresa?

ASTROBALDO

Eu... posso pagar...

EDICLÉCIO

Como?

ASTROBALDO

O dinheiro da guitarra... não deu tempo de comprar... naquela justiça, confusão, o senhor sabe...

EDICLÉCIO

Está aí com você?

Astrobaldo bota a xícara na mesa, pega a carteira e tira o dinheiro. Com as mãos trêmulas, devagar ele entrega o dinheiro a Ediclécio. Ediclécio pega as notas e conta-as uma a uma, cuidadosamente e sem pressa. Encara Astrobaldo.

EDICLÉCIO

Isso não dá nem para pagar a bicicleta. E você ainda deve os jornais, o prejuízo moral de ter duzentos clientes insatisfeitos com o nosso serviço, mais as horas de trabalho da pessoa que vai ter de ir lá entregar os jornais por você. Infelizmente, eu vou ter que ficar com o dinheiro do seu salário. E quer saber? ainda bem que não fichei sua carteira, porque gente como você não merece ser lembrado como alguém que já se deu ao luxo de prestar nossos serviços. Agora, para você não sair por aí dizendo que eu sou um chefe ruim, vou te dar vinte reais para você poder encher a cara, e se tiver o mínimo de juízo nunca mais na sua vida bote os pés na minha gráfica. (curto, grosso, taxativo e ignorante) Agora, suma daqui!


Clique aqui e acompanhe o filme em detalhes...

Nenhum comentário: